Hélio
de Araújo
Maria
Auxiliadora de Souza
Raimunda
Dias de Araújo.
Petrolina-PE, janeiro de 2022.
O COMEÇO
A
comunidade de Curral Queimado fica na área de sequeiro, distante 35 quilômetros
da sede do município de Petrolina, no sertão pernambucano. Os primeiros
moradores foram o casal João José de Araújo Sobrinho (Janjão) (1888-1977) e
Maria Francisca de Araújo e seus filhos. Eles chegaram em 1936, vindos do Riacho
do Sobrado, Casa Nova-BA. Janjão fez a primeira casa e o primeiro tanque de
armazenamento de água da localidade. As telhas foram transportadas de jumentos
do Riacho do Sobrado.
Em
1947, o casal Manoel Francisco de Araújo (Cansadinho) e Maria Dias Pereira,
também partiu com oito dos seus dez filhos, do Riacho do Sobrado, em busca de
melhoria de vida. Estavam juntos os genros Manoel Francisco de Souza (Mané
Chico) e Manoel Bernardo (Indé), esposos de Elisa e Eliosina, respectivamente,
e três netos. No ano seguinte, veio o filho Dedé e a esposa Alzira, somando-se
quatro novas residências. Lá, ficou apenas a filha Justina, a mais velha de
Cansadinho.
Cansadinho
e sua família se fixaram perto de um morro que tinha enorme fenda, antigo
abrigo de onças. Ele denominou de Furna Grande. Acreditava que encontraria
meios para a sobrevivência, devido à existência de terra boa para lavoura e
muito espaço para a criação de animais.
Assim
que todos se estabeleceram, trabalharam de sol-a-sol, enfrentando todos os
obstáculos, sem medirem esforços, na expectativa de dias melhores. Um trabalho
exausto, mas o desejo de mudança era muito forte.
Sentiram
a necessidade de melhorar o lugar e analisaram quais providências poderiam
garantir a água, elemento indispensável à vida. Com coragem, planejamento e
experiência de homens acostumados a viver no semiárido, procuraram o local mais
favorável para armazenar o líquido precioso e encontraram uma vereda com solo
impermeável. Decidiram que ali seria o local ideal para a construção do
reservatório e, com disposição para solucionar o problema, Cansadinho e seus
filhos começaram a escavação. Todo o material retirado foi carregado em uma
padiola improvisada e aproveitado na formação da parede que represaria a água
que passaria por ali. Depois de pronto, o barreiro representou um grande avanço
na vida daquelas pessoas. A água era barrenta, mas matava a sede de gente e
animais e servia para uso doméstico.
Pertinho
de lá (Lagoa do Angico), moravam os casais Francisco João de Araújo e Bela e Zé
Baixinho e Santinha. Mais adiante residiam os casais Francisco José de Araújo
(Chico Velho) e Aurora, Francisco de Araújo (Chico Onça) e Porcina, além de
Janjão e Francisca. Bem perto (Lagoa do Pé da Serra), habitavam os casais
Antônio Francisco de Araújo (Toinho) e Isabel e Canuto e Amélia. Cada família
era formada por grande número de filhos.
CONVIVÊNCIA COM A SECA
Os
moradores viviam da agricultura e pecuária. Plantavam milho, feijão, mandioca,
melancia e abóbora. Tinham pequenos rebanhos de ovinos, caprinos e bovinos que
ajudavam no sustento da família. Criavam galinhas que rendiam alguns lucros com
a venda dos ovos. O gado era mantido nos currais do final da tarde até o início
da manhã e solto depois das vacas ordenhadas. A partir da liberação, não havia
mais a necessidade de cuidador, pois a prática comum era ficarem soltos no
mato. As famílias garantiam leite durante o ano todo, mantendo sempre uma vaca
bem alimentada por farelo, separando ela do bezerro no final das tardes,
ordenhando-a pela manhã, e liberando-a para o bezerro mamar o resto do leite.
Os
porcos eram mantidos em chiqueiros para engorda, onde eram alimentados com
milho até estarem prontos para o abate. Depois, todo o toucinho era apurado,
transformado em óleo, armazenado em garrafas e usado na comida durante meses. O
mesmo procedimento acontecia com a carne, que cozinhavam e deixavam desidratar
no óleo, ficando assim conservado para servir de mistura.
O
Curral Queimado passou a receber visitas de políticos como Simão Amorim
Durando, Marcos Maciel e Honório Rocha. A casa de Cansadinho era o local de
encontro desses homens públicos que questionavam sobre as carências e
necessidades mais urgentes da localidade e discutiam o que fazer para melhorar
as condições de vida dos moradores. Em determinada visita, o deputado Nilo
Coelho se encontrava na residência de Cansadinho e uma das suas noras
encontrava-se com forte depressão, sem ânimo para cuidar do lar e dos filhos.
Diante da preocupante situação, Cansadinho pediu que, excepcionalmente, o
médico Nilo Coelho consultasse a doente e a solicitação foi prontamente
atendida.
Essas
autoridades agiram pelo desenvolvimento da localidade, construindo um poço
artesiano que produzia água salgada, útil apenas para matar a sede dos animais.
Entretanto, muitas vezes, as pessoas recorriam a um meio simples para melhorar
o sabor, misturando água salgada do poço com a do barreiro, ficando clara, boa
para cozinhar, principalmente o feijão, que ficava com aparência de novo. Depois
construíram um barreiro maior, com capacidade de armazenar bastante água,
servindo a todos das redondezas. Apesar dessas providências, o problema de
abastecimento não foi totalmente solucionado, pois quando o inverno era fraco
não enchia o barreiro e as pessoas ficavam dependendo do carro pipa.
Em
casos de longa seca, a água era carregada em barril, no lombo de equinos, de
Terra Nova, distante oito quilômetros. As roupas eram lavadas, semanalmente,
nesse local. As mulheres saiam de madrugada, montadas em jumentos, levando
trouxas de roupas. O mais temido nesses deslocamentos era a possibilidade de
cruzarem, no caminho, com a onça vermelha que diziam existir por lá.
Em 1951, a estiagem prolongada estimulou a migração de membros da família da moradora Aurora para o Sul, onde já morava um dos seus irmãos, Manoel Pedro, trabalhando como cuidador de animais de uma fazenda. Marcada pela condição de pobreza, aquela família necessitava de iniciativas que resultassem em melhoria da qualidade de vida e o estado do Paraná realizava um movimento de expansão agrícola. Inicialmente, viajaram os filhos Elena e João.
Após
a volta do Paraná, Elena e Augusto permaneceram em Curral Queimado vivendo da
lavoura e da criação de ovinos e caprinos. No final da década de 1950, ele
juntava sua pequena produção, comprava galinha, ovo, umbu, mamona, caroá,
farinha, beiju, tapioca, queijo, requeijão, carne de bode, couro e pele, e saia
semanalmente, ao anoitecer dos dias de domingo, para vender essas mercadorias
nas manhãs do dia seguinte, na feira de Petrolina. Alguns desses produtos eram
vendidos no armazém do senhor Quelê e na Exportadora Coelho.
O
cuidado com a criação que ajudava na renda familiar, na alimentação, fornecendo
leite, carne e pele e, a venda da sobra da pequena produção na cidade, era
feita por muitos lavradores. Eles transportavam toda essa mercadoria no lombo
de jumentos. Um trabalho pesado, mas necessário pela busca da sobrevivência.
Para
superar as dificuldades da longa distância, havia uma parada de descanso na
metade do caminho. Os camponeses escolhiam um lugar adequado, botavam as cargas
abaixo e dormiam ao relento. Na madrugada, arrumavam tudo novamente e seguiam
para o centro da cidade, onde comerciantes adquiriam toda a mercadoria.
Terminando as vendas, faziam compras e retornavam.
Dedé,
por ser dono de bodega e ter a obrigação de mantê-la abastecida, exerceu essa
tarefa, semanalmente, durante anos. Um dos seus companheiros de viagem foi seu
cunhado, Chico.
Com
o passar dos anos, Chico, Augusto e vários outros resolveram morar
definitivamente na sede de Petrolina e instalaram bodegas. Boa parte das
mercadorias era fornecida pelo armazém do senhor Virgílio Nogueira, situado à
Rua Dom Vital. Os parentes João Deon, Zé Marciano, Gangarim, Chico Onça,
Canuto, Anjinho, também aderiram ao mesmo ramo de comércio. Canuto, além das
mercadorias comum à toda bodega, vendia tecidos e roupas. Essas novas atividades
possibilitaram que Augusto comprasse uma motocicleta Vespa, iniciativa seguida
pelos demais bodegueiros. Muitos deles, posteriormente, adquiriram automóveis.
EDUCAÇÃO
A
vida era difícil para as crianças da zona rural. Faltava escola e, até mesmo,
incentivo dos pais. A preocupação maior das famílias era pela sobrevivência e
os pequeninos, logo cedo, tinham o compromisso de ajudar os pais nos afazeres
diários, cuidado dos animais, da lavoura e tudo que fosse necessário. Existia,
numa localidade distante chamada Veredinha, o professor Pedrinho, que era leigo
e sabia apenas ler, escrever e contar. Ele, inicialmente, recebeu lá, em sua
residência, alguns alunos e, posteriormente, deslocava-se de lá, de jumento e
ministrava aulas numa casa de farinha, que ele chamava de Escola Itinerante
Veredinha. Cada aluno matriculado recebia cópia do alfabeto e dos algarismos,
com o compromisso de memorizá-los. Depois, passavam um período cobrindo letras
e números que recebiam pontilhadas em papel. Escreviam com uma pena que a todo
instante secava e era reabastecida no tinteiro.
Quando
o estudante mostrava segurança na leitura e escrita das sílabas e dos números,
recebia a tabuada e a cartilha do ABC. O alunado do mestre Pedrinho estudava
cantando. Depois do reconhecimento de algumas palavras, de um pouco de soma e
multiplicação, os discentes treinavam a leitura e escrita, copiando e fazendo
todos os dias, a leitura de um texto. Um deles foi o cordel O Trabalho.
As
abelhas fazem o mel
É
indústria, antiga
O
cão é guarda fiel
Corta
folha, a formiga.
Até
mesmo os animais
Passam
os dias trabalhando
Os
burros entre os varais
Os
bois, carros, puxando.
Ao
passarem para o primeiro livro, todos os dias estudavam uma lição, um texto
onde seriam avaliados. Uma série era considerada concluída quando esgotadas
todas as leituras do livro. As demais séries se davam da mesma forma. Cada
aluno possuía um pequeno quadro de pedra do tamanho de uma folha de ofício.
Fazendo uso de uma pedra lapidada no formato de um lápis, era possível escrever
e ficar gravado. Essa técnica era utilizada nas tarefas de matemática. Um dia
da semana era reservado para o “Argumento”, momento pelo qual, o estudante
depois de decorar a tabuada, submetia-se a uma avaliação oral. Era o dia mais
temido por todos. Em pequenos grupos, de pé, posicionados na frente do
professor, os discentes tinham que responder corretamente as perguntas que ele
fazia. Se errassem, eram punidos pelo educador que usando a palmatória, dava
batidas fortes na mão. Muitas vezes, determinava que o próprio colega aplicasse
o castigo, fato que causava revolta. Eventualmente, essas palmatoradas eram
descontadas em netos do docente que moravam por perto e eram seus alunos. E o
pior é que essa garotada já era bem prejudicada, pois o professor usava sua
autoridade de avô para puni-los mais do que os demais pupilos.
Com
o desenvolvimento contínuo daquela comunidade rural, em 1958 construíram o
prédio da igreja católica. Na verdade, era um salão capela. A partir de 1962, o
espaço religioso passou a servir também de sala de aula, com o altar separado
por uma cortina. A primeira professora, Celita Brito, lecionou por muito tempo
e foi, posteriormente, substituída por sua prima, Socorro Brito. Ambas eram
leigas.
Logo
após a inauguração da Emissora Rural, em outubro de 1962, a localidade passou a
ter a escola radiofônica, que eram aulas transmitidas pelo rádio, administrada
por uma pessoa que orientava os alunos. Esse foi o primeiro rádio que tiveram
acesso. O equipamento tornou-se grande atração, despertando o interesse de
todos. O senhor Cansadinho, encomendou, por intermédio do senhor José Coelho,
três rádios, que veio de São Paulo. Um ficou ele e os outros com dois filhos.
A
área passou a ser distrito em 1963. No ano seguinte, foi construída, na
localidade, uma unidade educacional intitulada Escola Curral Queimado. A
primeira professora formada a ministrar aulas foi Helena Hilda de Araújo, que
permaneceu atuando por dois anos e em 1967, foi substituída pela irmã, Eliete
Araújo.
A
professora Helena, ao transferir-se para a sede de Petrolina, sugeriu que a sua
aluna, Maria Auxiliadora de Souza, assumisse o cargo de professora. Maria
Wilza, diretora da Gerência Regional de Educação (GRE), na época, aprovou a
indicação, e aconselhou a jovem a concluir seus estudos, formando-se no curso
de Magistério. Com muita determinação e coragem, Auxiliadora lecionou por
alguns anos no Curral Queimado, depois fixou-se na sede onde estudou, venceu as
dificuldades e realizou seus sonhos,
formando-se professora.
Auxiliadora
tinha uma família numerosa de doze irmãos que passava por dificuldades. Para
ajudar, arrumou um emprego na Empresa Somassa onde trabalhou por alguns anos
até concluir os estudos. Com o diploma em mãos, procurou a diretora da GRE e
foi encaminhada para lecionar na Escola Estadual Clementino Coelho. Como já
lecionava na Escola Curral Queimado decidiu assumir as turmas nas duas unidades
educativas. Uma jornada de trabalho cansativa, mas que foi enfrentada com
responsabilidade, coragem, amor à profissão e compromisso, durante o ano todo.
Em todas as manhãs, às sete e meia, Auxiliadora assumia a sala de aula da
Escola Clementino e largava às onze e meia. Em seguida, pegava um ônibus,
viajava durante quarenta minutos, descia na beira da estrada, onde seu pai
todos os dias a esperava. De lá, os dois percorriam, de lambreta, os seis
quilômetros que separam a escola rural da rodovia. Terminada a aula, ela retomava
para a sede de Petrolina, onde dormia para recomeçar tudo no dia seguinte. A
professora Auxiliadora trabalhou na Escola Clementino Coelho desde a sua
fundação, em 1977, até a data da sua aposentadoria. Seu comportamento exemplar
serviu de incentivo para uma tia e suas irmãs mais novas que concluíram os
estudos em Petrolina.
Maria
Auxiliadora de Souza e Raimunda Dias de Araújo são exemplos de camponesas que
iniciaram como alunas do professor Pedrinho, depois foram alunas da escola da
localidade e quando adultas, retornaram como professoras.
Nos
intervalos das aulas da escola rural a merenda servida era leite, mingau,
passas, paçoca.
SAÚDE
e TRANSPORTE
Quem
cuidava da saúde era a pessoa mais esclarecida do lugar, que indicava remédios.
Uma criança com gripe, verme ou feridas pelo corpo, era forte candidata a
receber aplicação de injeção. O aparelho de metal era guardado numa caixinha,
juntamente com o recipiente onde o álcool fervia a água que esterilizava o
aplicador. Quem quebrava braço ou perna, tinha o osso recolocado no lugar e
imobilizado com casca de angico amarrado com correias de couro para regenerar.
Esse procedimento até que funcionava. O problema era quando tratava-se de
criança, pois, geralmente, eram apelidadas de acordo com o nome de tiras. Uma
delas que teve o braço “angicado” era chamada pelos colegas de “relógio de três
pulseiras”. Nos casos de mordida de cobra venenosa, as pessoas recorriam à
curadores, que diziam que tinham sidos picados e não ficaram doentes.
O
maior desafio de morar na zona rural era superar as dificuldades de transporte.
Houve casos de emergência em que pessoas se deslocaram à pé, praticamente
correndo, em busca de ajuda para socorrer doentes.
Por
muitas décadas o transporte de pessoas e mercadorias era feito de jumento ou
cavalo, e depois, substituído por carroça, bicicleta e lambreta. Com a necessidade
do transporte, surgiram os primeiros veículos de linha. As primeiras pessoas a
trabalharem nesse ramo foram João Nego com camionete, Monteiro, com caminhão,
Dedé com veículo pequeno e Pedrinho com caminhão, que ia até a localidade de
Salgadinha, onde recolhia passageiros e mercadorias, e voltava para pegar os
moradores do lugar. Os passageiros idosos eram
acomodados na boleia
O
senhor Virgílio Nogueira, dono do armazém frequentado por pessoas do Curral
Queimado, era proprietário de uma fazenda nas proximidades. Inicialmente, de
Jipe, depois de Rural, o comerciante, constantemente, passava dirigindo e nunca
negava uma carona. Quando adoecia alguém, era só avisar que ele socorria de
imediato. As mulheres grávidas quando tinham complicações no parto, era ele
quem ia pegar. Dependendo do caso, levava para a cidade.
Em
1960, Dona, esposa de José de Pedrinho, estava grávida e teve complicação no
parto. Virgílio foi avisado e atendeu imediatamente. Infelizmente, já
encontrou-a sem vida. A criança nasceu, mas não sobreviveu. Alzira, esposa de
Dedé, estava grávida de gêmeos, uma criança nasceu e a outra, já no quinto dia,
ainda não havia nascido. Por cauda da gravidade, Virgílio arrumou médico e enfermeira
e se deslocaram para o socorro. Já próximo, tiveram notícia que a criança havia
nascido, mas continuaram a viagem e fizeram o atendimento.
Três
filhas de Cansadinho tiveram complicação na gravidez. Justina comemorava a
festa do padroeiro quando teve um aborto e ficou muito doente. Virgílio estava
presente e a levou, às pressas, para o hospital. Elisa, depois de um aborto,
ficou tão mal que, na falta de condições de levá-la no carro, voltou para
Petrolina e mandou uma ambulância. Eliosina precisou ser socorrida no parto. O
comerciante levou uma parteira do Hospital Dom Malan, a senhora Romilda, mas
não resolveu o problema e levaram-na para ser atendida na maternidade de
Petrolina.
Com
a convivência que Virgílio tinha com as pessoas do lugar, muitas famílias o
convidava para batizar seus filhos. Em uma determinada época da Semana Santa,
houve uma queima de Judas, ao lado da Catedral, onde foi lido o testamento de
Judas. Para o senhor Virgílio foi deixada uma cobrança.
O
senhor Virgílio Nogueira
Tem um
ninho de Cancão
Me
comprou uma Rural
E
não deu nenhum tostão.
Com
o aumento da população, houve a construção da Maternidade em 1966. A partir
dessa estrutura, as pessoas passaram a ter atendimento médico mensalmente. A
inauguração dessa unidade de saúde, contou com a participação da dedicada
professora Helena, que envolvia os seus alunos nos eventos locais. Esses
estudantes declamaram poesias, fizeram apresentações de danças e músicas e
discursaram demonstrando gratidão àqueles que trabalharam pelo crescimento da
comunidade. Um representante da família Coelho, ouviu emocionado, uma música
cantada pelos alunos.
O
Curral Queimado hoje está em festa
E
todos nós repletos de emoção
Apresentando
à família Souza Coelho
Nossa
homenagem de pleito e gratidão
Nossos
aplausos
O
povo amado
Nós,
os alunos
Da
Escola Curral Queimado.
A
primeira enfermeira da maternidade chamava-se Ananias, substituída, anos
depois, por Valdelice, que fixou residência juntamente com seu esposo, José
Campos, escrivão de um cartório existente no lugar durante muito tempo.
CASA
DE FARINHA
Nos
primeiros anos, a fabricação de farinha era trabalho duro e pouco produtivo. Os
meios usados eram precários, o espaço era pequeno e desconfortável, possuindo
um único forno. A mandioca era ralada por meio da força humana. Uma pareia de
homens fazia movimentar um rolo de madeira cravado de serras onde era feita a
moagem e outra pessoa colocava a raiz para ser triturada. A atividade era
perigosa e algumas vezes chegavam a ralar os dedos, houve um caso de perda de
parte de um desses membros. Com o passar dos tempos, adquiriram um pequeno
motor. Foi um progresso no sentido de diminuir o desgaste físico, porém
continuando a mesma forma de moagem e o risco de acidente.
A
construção da Casa de Farinha, em 1968, facilitou muito a vida dos lavradores,
tornando a atividade menos cansativa e mais produtiva. Tudo melhorou, o
trabalho tornou-se prazeroso, pois contavam com três fornos, um motor bem mais
moderno e um moinho. Bastava jogar a mandioca e era triturada, facilitando
ainda mais a vida das pessoas.
Cansadinho
foi nomeado pelo prefeito José de Souza Coelho, em 9 de outubro de 1968, para
exercer o cargo de Zelador da Casa de Farinha do Curral Queimado. O agricultor
ficou muito grato, pois em tempos difíceis aquele salário foi de extrema
importância. A edificação era, sobretudo, um ambiente laboral, mas também,
local de lazer onde todos se encontravam produzindo farinha, tapioca e beiju.
As crianças se divertiam, fazendo de tudo uma brincadeira. Os familiares residentes
na cidade aumentavam o período de visitas na época da farinhada. Em determinada
ocasião o senhor José de Souza Coelho compareceu com toda a família, trazendo
manteiga da terra para saborear beiju saído do forno.
Em
maio de 1974, o casal Cansadinho e Maria comemoraram bodas de ouro com a
celebração de uma missa.
LAZER
Qualquer
movimento que juntasse o povo era considerado lazer. As missas, rezas,
procissões, debulha de feijão, partidas de futebol, festa de casamento com
comida farta e sanfoneiro animado, e até mesmo o trabalho na farinhada. Era só
alegria. Muita gente comparecia à Festa do Padroeiro São Judas Tadeu, no dia 28
de outubro, que tinha celebração da missa e leilão. A comemoração
transformava-se em grande momento de encontros.
Embora
distantes, as pessoas não esqueceram a festa de São Pedro, padroeiro do Riacho
do Sobrado, no dia 29 de junho. Todos os anos, saiam cedo da madrugada à pé ou
em jumentos, para participar dos festejos, e retornavam à tardezinha, no final
da celebração.
As
crianças se divertiam muito. As menores gostavam de brincar de se esconder,
pular corda, boneca de pano, ciranda cirandinha, cabra cega, passe o anel, boca
de forno, balanço de cordas, carrinho de lata. As maiores jogavam peteca, dama,
caçavam passarinhos, jogavam futebol. Eram partidas animadas e até havia quem
as narrassem em forma poética, conforme os versos Futebol Curral Queimado, escritos por Lourival Claudino.
O
goleiro de domingo
Causa
admiração
E se
continuar assim
Nós
seremos campeão.
Qualquer
time que vier
Jogar
no Curral Queimado
Tem
um beck, Seu Dedé
Que
joga desassombrado.
Temos
outro lateral
Que
eu vou dizer quem é
Edvaldo
e Everaldo
Seu
Viano e o Pelé.
Chiquito
é muito pequeno
Porém
dá muito trabalho
Correndo
lá pelo centro
Não
pode haver atrapalho.
Seu
Bau correndo parece
Que
é movido a vapor
A
bola sobra para ele
Daí
é que surge o gol.
Aníbal,
este é meu beck
Zagueiro
de confiança
Por
dura que seja a partida
Ainda
tem esperança.
Este
eu vou dizer
Antes
que saia da mente
É um
centroavante forte
O
nosso amigo Vicente.
E o
autor desses versos
Não
é mestre nem doutor
Quando
está jogando bola
Só
pensa em fazer gol.
A
Câmara Municipal de Petrolina aprovou por unanimidade, na reunião realizada no dia
7 de julho de 1977, o voto de profundo pesar por motivo do falecimento do
senhor Manoel Francisco de Araújo. Sua família doou para o Museu do Sertão de
Petrolina, um rádio, um quartinheiro, um par de alforges, um batedor de nata e
uma cabaça para chumbo, objetos que retratam bem a vida do povo sertanejo, seus
costumes e suas técnicas de trabalho. Foi uma boa aquisição para aquela
instituição que tenta preservar a história do homem sertanejo, mostrando o meio
ambiente, o artesanato, a moradia rural, os valores da economia, da política,
da religião e da sociedade sertaneja como um todo.
Em
1976, foi desativado o motor a diesel que garantia desde 1960, a
iluminação de alguns postes dispostos nas imediações da escola, capela,
maternidade e Casa de Farinha do Curral Queimado. A energia
que funcionava, entre dezoito e vinte e uma horas, passou a ser gerada em Paulo
Afonso-BA.
Vários
moradores iam para São Paulo. Certa vez, Aurora recebeu a seguinte
correspondência:
São
Paulo, 17/12/1980.
Minha
querida mamãe,
Primeiro
peço a minha benção, para que eu seja feliz. Escrevo-lhe esta cartinha para
desejar um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo. Eu e todos de casa ficamos com
saúde, graças ao meu bom Deus.
Mamãe,
eu mando um presente para a senhora e mais quinhentos cruzeiros. Segue também
um presente para a Morena. Espero que estejam bem!
Nada
mais. Lembranças para todos daí.
E
no mais, saudades do seu filho que sou.
Pedro Francisco de Souza Neto.
O Curral Queimado é conhecido como
Terra da Família Cancão ou Comunidade da família dos “Cancão”. O pássaro Cancão
é considerado a voz da caatinga. Todos os moradores de lá tinha algum grau de
parentesco. Uns diziam que o apelido era por causa do nariz afilado, característica
comum em seus moradores.
Após o falecimento dos moradores mais antigos, o Curral Queimado ficou, praticamente, abandonado. Os jovens mudaram para a cidade em busca de outros meios de vida ou para estudar. Isso se deu, mais ou menos, entre 1984 e 1995, ano que colocaram água encanada. Com a novidade, muitas casas foram construídas e o lugar voltou a ser bem habitado, principalmente, nos fins de semana.